Maioria do Supremo vota pelo ISS na tributação de software

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Mais de duas décadas depois de decidir sobre a tributação nas operações envolvendo software, o Supremo Tribunal Federal (STF) volta ao tema e tem maioria de votos já formada para mudar a jurisprudência. Dos nove ministros que se posicionaram sobre a matéria em sessão realizada ontem, seis entenderam pela incidência do ISS tanto para o chamado software  de prateleira, comercializado no varejo, quanto para o software por encomenda, desenvolvido para atender as necessidades de um cliente específico.

 

Esse novo entendimento atende o pleito das empresas de tecnologia. Para essas companhias pode ser bem mais vantajoso pagar ISS do que ICMS. Na capital paulista, por exemplo, são cobrados 2% de ISS, enquanto que o ICMS tem alíquota de 5% no Estado.

 

A jurisprudência que existia na Corte, até então, havia sido firmada em julgamento realizado no ano de 1998. Os ministros, naquela ocasião, fizeram uma divisão: para as operações envolvendo software de prateleira deveria incidir ICMS, já para a modalidade por encomenda caberia o ISS.

 

O novo entendimento só não foi sacramentado, na sessão de ontem, porque o presidente da Corte, ministro Luiz Fux, que seria o último a votar, apresentou pedido de vista, suspendendo as discussões. Ele afirmou que colocará o tema em pauta na sessão seguinte à posse de Kassio Nunes Marques, que ocorre hoje.

 

O julgamento, portanto, será retomada na próxima quarta-feira. Luiz Fux disse que será o primeiro tema da pauta. Kassio Nunes Marques, o novo ministro, apesar de já estar apto aos julgamento da Corte, não participará porque não esteve presente nas sustentações orais, nem na leitura dos relatórios.

 

A maioria dos ministros que participa desse julgamento entende que tanto os casos de licenciamento como os de cessão de direito de uso dos programas de computador devem ser tributados exclusivamente por ISS, o imposto municipal. Há possibilidade, no entanto, de haver modulação dos efeitos da decisão. Cinco ministros se posicionaram, até agora, para que o novo entendimento tenha validade somente a partir da data da ata do julgamento.

 

Esse tema está sendo julgado por meio de duas ações diretas de inconstitucionalidade. Uma delas, a ADI 1945, proposta em 1999, quando a transferência eletrônica do software ainda era feita por disquete. Hoje, a comercialização ocorre por meio de download, streaming e nuvem.

 

Essa ação de 1999 foi apresentada pelo PMDB para contestar um dispositivo da Lei nº 7.098, de 1998, do Estado de Mato Grosso. Já esteve em pauta. No dia 27 de abril, quando o julgamento teve início, a relatora, Cármen Lúcia, e o ministro Edson Fachin se posicionaram contra a ADI, ou seja, por permitir a incidência de ICMS nessas operações.

 

O julgamento foi interrompido, naquela ocasião, por um pedido de vista do ministro Dias Toffoli. Ele pautou, para a sessão desta semana, o voto-vista e uma outra ação, a ADI 5659, que é de sua relatoria. Os julgamentos foram realizados em conjunto.

 

A ADI 5.659 é mais recente e abrange os meios atuais para a comercialização de software. Essa ação foi apresentada em 2017 pela Confederação Nacional de Serviços (CNS). A entidade contesta algumas normas do Estado de Minas Gerais – entre elas, o Decreto nº 46.877, de 2015.

 

O ministro Dias Toffoli abriu o julgamento, na sessão de ontem, com voto contrário à tributação por ICMS. Para o ministro, a questão não se trata de vetar o imposto estadual por não haver a transferência de um bem material. Ele entende que seria possível caracterizar como circulação de mercadoria – o fato gerador do ICMS – mesmo no caso de “bem incorpóreo”.

 

Fato é que, segundo Toffoli, no caso de licenciamento e cessão de direito de uso dos programas de computador se está tratando de serviços e, por esse motivo, deve incidir ISS e não ICMS. Ele levou em conta a Lei Complementar nº 116, de 2003, que prevê essas hipóteses como fato gerador do imposto municipal. “A lei complementar não fez distinção [sob as diferenças de comercialização dos programas]”, disse

 

Os ministros Alexandre de Moraes, Luís Roberto Barroso, Rosa Weber, Ricardo Lewandowski e Marco Aurélio acompanharam o entendimento, formando a maioria.

 

“A questão da computação não se resume à questão de venda de mercadoria”, disse Moraes ao acompanhar o voto de Toffoli. “É algo dinâmico, uma prestação continuada de serviços, atualizações, armazenamento em nuvem, constante segurança contra vírus. Quando se adquire esses softwares o que se adquire é um pacote de serviços.”

 

Os ministros Edson Fachin e Cármen Lúcia mantiveram os votos na ADI 1945, ou seja, favoráveis à cobrança do ICMS, e estão ficando vencidos, assim como o ministro Gilmar Mendes. Para eles, a situação do software de prateleira é diferente da situação do software personalizado. Ao de prateleira, comercializado em larga escala, entendem que deveria incidir o imposto estadual.

 

“Quando a criação intelectual é produzida em série, em massa, para ser comercializada, a destinação passa a ser a circulação e o lucro”, disse Fachin ao votar, justificando a incidência do ICMS. Sobre o software personalizado, acrescentou, caberia o ISS. O Supremo tinha jurisprudência firmada neste sentido desde 1998, quando estabeleceram essa diferenciação (RE 176623)

 

Ao se manifestar sobre o tema, o ministro Gilmar Mendes fez um alerta: “Caminhamos para um modelo de serviço de forma generalizada com a informatização. É muito provável que nós possamos prognosticar que o ICMS, como nós conhecemos, tende a desaparecer. Essa notícia é muito preocupante para os Estados, esse é o tributo que carrega a estrutura federativa no que diz respeito aos Estados.”

 

Fonte: Valor Econômico – 05/11/2020